26 de out. de 2010

Primeiro dia: A mudança de caminho inesperada

Habituado no mesmo número de passadas por caminhos repetidos diariamente chegava ao trabalho alguns minutos atrasados. Entrava sorrateiro para que ninguém percebesse o adiantamento nos ponteiros do relógio. E, maquinalmente, sentava por detrás de sua mesa de trabalho e ainda como máquina repetia tarefas maquinais. No bater das badaladas do seu horário de saída percorria cabisbaixo seu caminho habitual de volta em direção ao ponto de ônibus como quem chega a um fim de um dia sem sentido. Apalpou os bolsos e descobriu seu maço de cigarros vazio: era obrigado a mudar a rota. Desgostoso dobrou na primeira esquina procurando algum boteco ou algo que o valha. Após caminhar dois quarteirões por ruas que pareciam infinitas em meio a imensidão cinza pode ver o lúmen e a fumaça engasgada entrar e sair de seus pulmões.
Não tragaria novamente e deixaria a cinza se formar na ponta de seu cigarro por boquiabrir-se diante dela. Andava cabisbaixa da mesma forma que ele: como quem chega ao fim de um dia sem sentido. Decidiu andar por trás de seus passos mesmo sabendo que não teria coragem de fitá-la longamente ou profundamente, sabia também não lhe dirigiria à palavra indango coisas banais ou demonstrando interesse em tê-la perto, mas a seguia.
Percorria o caminho dela de volta como se quisesse fazer parte de seu caminho e, dessa forma, tocar seu âmago. Distraidamente a seguia envolto em suas imaginações e divagações sendo quase atropelado e quase a atropelando por não notar que ela parara no ponto de ônibus. Imaginou que fossem vizinhos ou que pudessem morar próximos e que poderia a ver todos os dias no seu percurso ao trabalho e de qualquer forma pertencer a vida dela.
Aguardava ansiosamente que ela adentrasse na mesma linha que ele e, assim, pudesse descobrir onde morava. Inutilmente. Seu ônibus chegou e ela não embarcou. Desistiu de embarcar também para, ao menos, descobrir em que região da cidade ela morava. Aguardou pacientemente. Ela ensaiou um movimento, que ele notou pelo canto dos olhos, em direção ao ônibus que chegava. Pensou que poderia pegar aquela linha também, mas teria que caminhar o dobro do caminho costumeiro. Não mediu esforços.
Se alojou em um lugar do ônibus que não era muito próximo a ela, mas que poderia notar caso ela o fitasse e poderia a cuidar pelo canto do olho. Mesmo com o sol se pondo, colocou seus óculos escuros na tentativa de ficar em invisível em suas olhadas. Torcia, quase que, fervorosamente para que ela descesse em um ponto anterior ao seu. Inutilmente. Se aproximava da parada de ônibus e ela seguia imóvel. Calculou a distância e decidiu desembarcar um ponto após o costumeiro na esperança de que ela também o fizesse. Tampouco adiantou e voltou desconsolado para sua casa. Ela nem, sequer, notou sua existência.

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