27 de jan. de 2011

Fenestra

como o prisma que ilumina
as sete cores do arco-íris
a luz se adentra
nos teus olhos de atriz
que lânguidos me marcam
tecendo cicatriz
e o âmago dilaceram
de forma descontrolada
e as frestas se abrem
para a luz ensolarada
e as asperezas que me cabem
se consomem com o fulgor
de rimas desnecessárias
que apagam minha dor

as luzes desajeitadas
dançam pelas paredes
como se embebecidas
e costuram redes
que impedem
de defenestrar
meus pensamentos
e de me atirar
pelo penhasco do caos
de minha fenestra.

10 de jan. de 2011

naftalina para as traças

e o verso
que me abandona
na redoma
intrasponível
há de ser,
também,
aquele
que satisfaz
ao desejo
mais ávido
de perfurar
objetos
pulsantes
e cintilantes
até que
o sangue
escorra
por
infinitos furos
e que a deixe
inerte
ante
a pensamentos
inventados
e esfarelados
em meio
a páginas
de coisa nenhuma
furadas
por traças
e, dessa forma,
o coração
se encobre
com
capa dura
e naftalina.

O moderno que nasceu tardiamente

O atraso temporal não impedia que a essência transparecesse.
Era mal-compreendido desde que lembrava. Os olhos eram sempre distantes e tinha um viés diferenciado para qualquer situação banal. Na escola desenhava formas desproporcionais para expressar fatos corriqueiros e era criticado pela professora e zombado pelos colegas de classe. Passando a adolescência em companhia de pessoas mais velhas, participava com fulgor de discussões e debates que aparentavam não chegar a lugar algum com discursos de rupturas e desconstrução da ordem estabelecida. Enquanto seus companheiros de boemia tratavam de questões exteriores, sobre a arte na Europa e as influências nas terras de cá, ele bradava tentando mostrar as possibilidades de construção de algo genuinamente brasileiro. O chamavam de vanguarda de outrora e ele não compreendia a expressão. Notava olhares nostálgicos em sua direção daqueles senhores mais velhos que viviam a contar que recordavam claramente dos agitos culturais de quando ainda eram muito jovens.
Chegando à primeira fase adulta reuniu-se com artistas e pessoas do meio e sempre teve uma queda para literatura. Mantinha diários desde a infância e por isso sempre pensou que as palavras tinham uma necessidade de ser vomitadas no papel. Enquanto seus colegas ritmavam versos e procuravam rimas pomposas, ele desconstruía a tradição poética usando onomatopéias e versos nonsense. Organizava reuniões e movimentos em que versos eram lidos e injustiças denunciadas, mas alcançava pouca abrangência e sempre o diziam que isto não era para agora. Ele chorava por dentro.
Entrou na escola de arte por não saber mais o que fazer. Ia de encontro à política vigente, mas sabia que aquilo não supria sua necessidade de expressão. No primeiro ano de escola, no ano 2003, teve que cursar a cadeira de história da literatura brasileira. Conheceu as diversas escolas da literatura brasileira e as mudanças no curso da formação brasileira desta arte. Quando conheceu a corrente modernista caiu-se em si e entendeu o apelido que os mais velhos haviam o colocado. Não desistiu da arte, mas amaldiçoou a cronologia por tê-lo concebido tão tardiamente.

4 de jan. de 2011

A fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir

O ventilador girava tão lentamente que parecia demorar alguns minutos para a fumaça se perder no pouco vento produzido.Às vezes penso que o calor vai me sufocar, mas também carrego a impressão de um novelo de palavras entaladas na garganta. A respiração palpita cansada ao meu lado e me reviro entre as marcas deixadas no lençol poído. As pernas penam para se mover e colocar o cigarro que ao encontrar restos de cerveja no fundo da garrafa. Diria que o calor me impediria, mas mentiria em meio a outras desculpas igualmente esfarrapadas. Rabiscava em papel seda com a luz que entrava pelas frestas da cortina pequena demais para a janela. O disco parado se riscava e meu âmago palpitava como ecos em uma caverna sem fim.