14 de dez. de 2011

O complexo jogo de damas noturno

Dei-te a face por cansar desse teu hálito repetido por diversas horas enquanto a noite vagava. Escolha premeditada da melancolia do hábito de repetir assuntos em corpos diferentes. O torpor do álcool logo se desvanecia ao ver-te despida pedindo que meu corpo adentrasse o teu. Repetição de movimentos em duas diferentes anatomias e divagações afastadas de ambos os lados. O sorriso belo, logo fez-se desproporcional, o jogo de egos cansou, o pênis rijo amoleceu enquanto a camada plástica que o cobria encheu de um gozo velho guardado por dias. Piadas sem graça, frustrações forçadas e intelectos fingidos. A intimidade de estranhos trocadas em uma noite que nada significaria ainda em seu decorrer. Me despeço com um beijo no rosto, por envergonhar-me de mim próprio. Tua companhia foi boa, mas somente a minha bastaria.

5 de out. de 2011

Da voz que foges

Ao girar a chave na fechadura, ele deparou-se com um movimento furtivo como de gatunos que sorrateiramente desaparecem nas sombras para não serem visto, como gatos que fogem repentinamente das migalhas de pão que saboreiam pelas janelas em que se adentraram no lar ou como crianças felinas que se escondem ao saberem-se culpadas. Hesitou para invadir sua sala, que não parecia sua depois da impressão fugaz. Como ilusão de segurança deixou um rastro de luzes acesas às suas costas, enquanto fiscalizava o estado das coisas deixado para trás no principiar do dia de suas obrigações cotidianas.
Ronda completa, nada se encontrava fora da ordem esperada, entretanto a sensação fantasmagórica ainda não era ausente. Dia pesado, noite solitária. Eis que é possível notar a presença do ser que passou ausente em sua vigília.
- Boa noite. Soa a voz desconhecida. De forma inesperada, a voz é reconhecida e o pavor não lhe salta às entranhas, contraditoriamente.
- Quem é?
- Foges de mim e eis no dia em que me tens, não me vislumbras?
- Tua voz não me é estranha, entretanto me parece uma companheira de longa data que se faz ausente em um tempo que não sei contar.
- Apenas primeiros encontros requerem apresentações.
- Pois bem, o que faz aqui?
- Não fugiste, logo, eu, tenho cá meu lugar.
- Não me venha com estribeiras e diz-me logo.
- Não sou de falar.
- Eu, tampouco.
- Em minha presença, pouco falarás. O nosso protagonista deu-se entediado. Notara o vazio de sua noite e a falta de apreensões. Lentamente identificava a voz rouca e feminina que há muito não ouvia.
- Uma dose?
- Esta só fará que me ouças mais. Ele olha para a porta, imaginando uma fuga da voz interna exteriorizada.
- Por que me temes?
- Não temo.
- Escondes-me.
- Não te conheço.
- Não te recordas.
Uma movimentação lenta e não corriqueira para ele, que poucas noites habitava sua casa neste horário. Menos ainda a habitava desacompanhado. Movimentação que traz a tona vozes de alto-faltantes televisivos, cores em technicolor e a voz da solidão torna-se muda.

4 de out. de 2011

De um fim procrastinado

Impecavelmente atravessa o corredor com seu rebolado adentrado em seu vestido decotado que não era costume usar. Sorridente como nunca, lhe dava as boas-vindas e colocava-se atrás da porta como convite para que ele adentrasse o corredor que antecipavam as escadas de seu apartamento no quarto andar. Ato habitual, ele aproxima-se para desferir nela o primeiro beijo de encontro, seu cheiro de banho é percebido de longe, entretanto lhe é disparado um tiro sorrateiro no momento em que ela lhe oferece a face para ser beijada escondendo-lhe a boca que ele julgava ser sua. Ele olhou para si e vislumbrou seu desleixo para ir encontrá-la. Sabia bem da crise, enumerava mentalmente milhares de milhares de razões e motivos. Despedidas são feitas com terno negro e com nó de gravata intacto. A elegância antecipa o tato com as palavras. Era conhecido por ambos o motivo do encontro: filtrar o turvo da água que pouco ainda compartilhavam.
Como se retirasse uma lente de aumento dos olhos, ele viu o corredor alongar-se infinitamente até chegar as escadas. Sentiu-se tonto com a atitude de sua anfitriã e lhe saltaram exatamente essas palavras à mente "não consigo mais ter-te e qualquer aproximação a partir de agora será apenas para destruição mútua". O velho hábito de romper laços enquanto eles ainda não existem. Era tarde. O laço já ultrapassava o status que seu nome carregava e transformara-se em emaranhado.
Ao chegarem ao apartamento dela, ela foi servir-lhe uma taça de vinho. Mulheres carregam algo em seu inconsciente que diz respeito na forma em que se posicionam em situações de risco, a sua cintura parecia chamar aos braços dele que não tardaram a se enrolarem. Do pouco dito até então, restaram apenas sussuros enquanto apertavam-se contra a mesa. Do objetivo de ambos nada ficara, entretanto a questão era colocada na mente dele perante o coito.
Do amor nada restava para ambos. Após o regozijo se cumprir, pouco queriam fitar-se um ao outro estendidos desnudos sobre a cama. A ofensa de desferir palavras certeiras em que rompesse todos os fios que os prendiam era pensamento deles, entretanto acovardavam-se perante suas sinceridades prometidas e pouco cumpridas.

25 de set. de 2011

A doença da morte

Sou doente bem sei. Sei bem e tão bem que reconheço minha própria doença. Algo se instala tão profundamente nas entranhas que uma mera cirurgia pouco adiantaria para recomposição da minha integridade. Seria necessário arrancar todos os orgãos um a um e limpá-los escrutinosamente com esmero não objetivando nunca arrancar todo o mal, mas, pelo menos, fazê-lo não letal. O mal assombra de forma invisível. Exames, radiográficas, toques, raios x, ultrasonografias, estetoscopias, aferimento de pressão nada adiantariam para constatar minha moléstia. O mal me ataca no âmago, no ser, no fundo do self, no ponto que os cristãos chamam de alma, os moralistas de consciência e os românticos de coração. A doença que me ataca é uma simbiose lenta do meu corpo: ataca os orgãos lentamente, alimentando-se de uma pequena parte todos os dias. Cada novo dia vejo o crescimento de minha doença em meu decréscimo. É degenerativa e não há tratamento possível. Pouco a pouco torno-me o mal que me cativa.

28 de ago. de 2011


“Os dias vão seguir da forma costumeira e ficaremos bem.” Ela sorriu com um ar desesperado. Todavia concordava plenamente. Ele falava muito do que não acreditava, entretanto via-se sincero consigo mesmo. A armadilha do primeiro encontro cativava lentamente duas presas. Ele a fazia rir, mas a desesperança que ela obrigara a si mesma permanecia inabalada. Os dias seguiriam da forma costumeira e ambos ficariam bem, exceto pelo fato de terem se encontrado. O desfecho é indiferente. A armadilha fez de ambos cativos.

2 de ago. de 2011

lúbrico

pelos,
acenos,
acentos,
sussuros.

gritos
e falta de ar.

ensurdecedor ruído
movimento em falso.

calafrio
e ar rarefeito.
hipotermia,
movimentos furtivos.

da muita prática, pouca habilidade.
do sangue, o gozo.
do gozo, o tédio.
do tédio, sussurros.

um show flamejante para uma plateia vazia.
toques trocados e verbos reduzidos.
pouco falo.

ritumbar de um tambor de molas.
ressoar de um trovão sem lustre.

carnaval amanhecido
e samba triste.

palavras cruzadas incompletas,
dicionário de onomatopeias.

carnificina sangrenta
e puro deleite.

espoliação do direito pleno,
e profanação da injustiça.

coração,
pênis,
pedra
e vazio.

11 de jul. de 2011

silencioso e branco como a bruma

o colírio natural
era desperto
sem necessitar
contorcer a face.

a lubrificação
de seu rosto
era alcançada
por leves pestanejadas.

os dias cinzas
o cercavam
pouco importava
pois perdera a força.

por sua barba
escorriam gotas de orvalho
produzidas
pelo frio de seus dias.

1 de jul. de 2011

ácido gástrico

o relógio
gira como
passadas
arrastadas:
há necessidade
de mover-se
mas a preguiça
ou o tédio
prendem
o corpo
ao solo
e um impulso
vindo
seiládeonde
nos coloca
para frente
de forma
inevitável.

o alcance não é premeditado, entretanto, a ânsia consome.
um vômito seria a forma fugidia de livrar o torpor do estômago.
dá-se o fulgor de forma semelhante a uma gastrite:
o calor derrete as paredes lentamente e para sempre.

28 de jun. de 2011

Empobreço embebecido para a justificação de minha alma

 Eis o que se conta sobre Ricardo Peixoto: morrera aos quarenta anos de idade após ter vivido uma vida bem-sucedida profissionalmente, porém solitária. A ele foi dedicado um velório pomposo com muitos presentes, porém poucos amigos. Poucas palavras foram ditas para se referir à sua vida e para expressar sobre a sua atual ausência. O seu túmulo adentrava a masmorra de seus familiares muito conhecidos na sociedade e em pedra era esculpido seu nome abaixo do nome de seus pais seguido de seu ano de nascimento e morte. Notava-se claramente a presença de frases de impacto nas esfinges de suas três gerações de ancestrais que habitavam as lápides circundantes, entretanto nada era dito sobre Ricardo. Diziam ser uma morte prematura para quem vivia o auge de sua produtividade, mas poucos sabiam do mal que o assolara meses antes de sua morte.

Ricardo vinha de uma família tradicional intelectual de sua cidade. Cresceu em  meio a peças teatrais, concertos musicais, rodeado de estantes de livros de todos os tipos. Falava três idiomas ao principiar sua adolescência e viajou grande parte do mundo ainda muito moço. Como era esperado, teve uma carreira brilhante. Principiou a faculdade com dezesseis anos e se formou muito cedo. Sua família era composta por artistas, filósofos e pensadores muito respeitados. Contrariamente, Ricardo estudou publicidade, mas isso não impediu de conquistar o orgulho familiar, apenas o consideravam um bocado medíocre secretamente.

Antes de completar trinta anos já havia aberto sua própria empresa e dotava de um prestígio nacional por ser muito criativo em criar propagandas com jargões que eram repetidos em todos os âmbitos da sociedade, quase que, maquinalmente. Trabalhava muito e era extremamente bem-sucedido, mas carregava um vazio muito grande dentro de si apesar de tudo.

Tecia relações com diversas mulheres. Durante a primeira parte de sua vida, havia sido muito reservado. Teve sua primeira namorada ainda muito jovem, com a qual permaneceu por cinco anos sem conhecer outras pessoas. Quedava-se absorto no trabalho e a companhia dela era um complemento para seus momentos de descanso. Ao ter a vida consolidada, viu que não necessitava mais de sua companhia e após isso não soube mais como se entregar a alguém, mas pouco lhe importava. Dividia a cama com um novo alguém diferente quase todas as noites, mas na manhã seguinte enojava-se de si próprio e da pessoa que o acompanhava. Não que essas mulheres não fossem belas ou pouco interessantes, entretanto não sabia mais como sentir qualquer coisa.

A sua família cobrava valores burgueses dele, contraditoriamente. Perguntavam sobre casamento, filhos, estabilidade. Ele dissimulava com frases feitas alegando haver tempo e outras prioridades e que, ademais, não havia motivos para precipitar-se, apesar de saber que o tempo pouco mudaria suas convicções.

Certo dia ouviu uma anedota de um mendigo pregador que lhe pedia esmolas ao mesmo tempo em que este sacudia uma bíblia ao ar e falava palavras com pouco sentido. Ricardo guardou uma pequena frase que o perseguiu até seu último dia: “de que adianta ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?” Sentiu o ar rarefeito e jogou algumas notas no chapéu que o pedinte deixara jogado ao chão e correu sem direção alguma esbarrando nos transeuntes.

Sua semana fora perdida. Alegou estar indisposto e não foi à agência nenhum dia naquela semana. Um peso tomou Ricardo e ele perdera a vontade de fazer qualquer coisa útil. Matutava sobre a frase jogada em sua face e no ar pairava seu desconforto perante a apunhalada.

De um lapso de consciência encontrou um alívio instantâneo: iria morrer, precisava elaborar um epitáfio. Pensou consigo mesmo “tarefa simples, já que tenho como profissão este tipo de elaboração”.
Via seus dias se encaminharem rapidamente para o derradeiro dia. Os ponteiros giravam ao contrário de um relógio que não pararia até o seu fim. Sua aflição foi remediada por poucos instantes, porque logo se viu em um novo impasse e que a solução não seria mais tão evidente. Se colocar para a eternidade não era uma tarefa simples e um complexo de megalomania se apossava dele toda vez em que tentava tecer as palavras lapidais.

Noites mal dormidas e dias intermináveis seguiam contraditoriamente as suas últimas semanas. Ao mesmo tempo em que se via improdutivo e os minutos como horas perante sua impotência e seu tédio, via mais um dia terminado e a ausência de sono se aproximar perante o cansaço de seu corpo.

Começou a beber demasiadamente para sufocar o peso de sua ausência de alma. Durante uma típica noitada em seu lugar habitual, ouviu uma frase despretensiosa do garçom sobre seu estado atual de alcoolismo e decadência. Como um tiro no escuro, escuta serem proclamadas as frases que lhe colocariam na eternidade da masmorra de sua família.

De súbito, sai correndo do bar para anunciar ao seu mordomo as palavras que retrariam sua existência e seu vazio de alma durante a vida. Do desespero do seu novo encontro com a vida, desliga-se dos arredores e atravessa a rua despreocupadamente para adentrar seu carro importado e despertar seu criado. Luzes no asfalto iluminam seu corpo e vê-se caído no meio-fio.

Eis o que se conta sobre Ricardo Peixoto: morrera prematuramente sem alma e sem epitáfio.

31 de mai. de 2011

Poesia

Com leves movimentos repetitivos,
sentia adentrar-se dentro de si o derradeiro desejo.
Desejo fugaz,
anseio costumeiro.

A agitação tocava-lhe amplamente
em pequenos gestos conhecidos.
O pleno controle
era impossível.

Pelo pequeno canal uretral,
percorria o líquido viscoso,
que postumamente
chamaria regozijo.

O auto-aperfeiçoamento
lhe ensinava
em poucos gestos
o abandono da castidade.

A palavra lhe cortava a garganta
esparramando-se pelo ar
e o calor de seu gozo
se espalhava pelo lençol.

A êxtase de sua palavra
era tocar-se em pontos certeiros
como clitóris
e o torpor se esvanece.

25 de mai. de 2011

Bonsoir les choses d'ici bas

Ando desesperado, bem sei. Sei também e tão bem o exaspero que me conduz a tamanho desespero. Pouco sei como controlá-lo. Falo alto demais e gesticulo teatralmente para expelir todo esse medo que carrego. Ao fitar-te se aproximando, baixei a cabeça para que o semblante atônito estampado em minha face não transparecesse tão claramente. Fingi despretensão em lugar de permitir o instinto animalesco de uivar como lobo ao notar a lua tão evidente. Trouxeste-me uma fita rosa, em contrapartida, que dizia Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago,  pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas". A ternura demonstrou-se profunda e envergonhei-me diante de tal gesto de apatia. Senti-me desarmado diante do seu encanto. O convite tímido emitiu-se espontaneamente e sorrindo tu me costuraste mais uma ruga. Como bambu verde, vomitava verboarragias tolas tentando externar meu profundo desalento. Não ansiava por palavras de conforto. Queria tocar-te unicamente. Toque este simbiótico para que meu desespero adentra-se teus poros e teu conforto contruísse meu Ser.

25 de abr. de 2011

Girassol, a flor que não resiste ao próprio esplendor

houve uma pequena semente que se chamava girassol. como era tradição em sua família, girassol, quando pequena, era servida a pássaros como refeição. girassol foi oferecida para o costumeiro sacrifício juntamente com um punhado de sementes irmãs, entretanto fora deixada de lado, talvez por sua pequinês, talvez por suas imperfeições enquanto semente. compadecida, uma menina, recolheu girassol da gaiola em que vivia e plantou-a em um pequeno vaso. com cuidados e água, a menina zelou por girassol para que ela se tornasse uma flor, mas girassol, por temer a rejeição, permanecia inerte em seu estado de semente. duas primaveras se passaram e a então moça era implacável nos cuidados apesar da falta de sucesso. em uma dada primavera girassol resolveu desabrochar, apesar de pensar que suas flores logo murchariam e ela não resistiria ao fardo que é ser uma flor. girassol foi tímida em crescer, entretanto a primavera era muito ensolarada e logo girassol encantou-se pelo sol e quis lhe roubar a cor. girassol passou a crescer rapidamente e encantava todos os pedestres que transitavam rentes a sua janela. por sentir-se valorizada, girassol passou a ter pétalas que brilhavam e seguiam os movimentos do sol, seu amante. certo dia, girassol já estava muito maior que o vaso que a abrigava e segura de si decidiu que cresceria a ponto de encontrar o sol. poucos dias se passaram e girassol irradiava um amarelo ímpar quase semelhante ao do sol. exibia também grandes pétalas em quantidade, tamanho e beleza. os pássaros da vizinhança se apaixonaram por girassol e todos os dias tentavam roubar-lhe beijos, mas ela se mantinha fiel ao seu primeiro amante e o seguia ao longo do dia. em certa noite, girassol decidiu, então, que se permitiria um beijo de um pássaro no dia seguinte se ele prometesse que levaria parte dela para dar ao sol e traria a cor de seu amante para si própria. desperta girassol no dia que encontraria seu amante. o brilho de suas pétalas se dava como nunca havia sido visto anteriormente. suas pétalas exalavam perfume e beleza dignos só dela própria. não tardou para que avistasse um pássaro se aproximar de longe para acariciá-la. segura de si, chama o canário para perto, mas sente que seu peito apertar-se e desmorona no chão por ter seu caule rompido. o sol se fecha coberto por nuvens para que girassol não notasse seu pranto. o primeiro transeunte, que outrora diminuía o passo para observar a beleza da flor, não a nota caída e amassa suas pétalas com a sola do sapato. eis que girassol, a flor que temia desabrochar para ser esquecida, fez do sol seu amante e o seu calor a fez brilhar como nunca visto em nenhuma outra flor, entretanto seu caule que não resistiu a todo seu esplendor rompeu e sufocou-se a si mesma por brilhar demais.

15 de abr. de 2011

Sobre Pré-Ódios

É com muito orgulho que vos convido ao lançamento de meu primeiro livro, Sobre Pré-Ódios.



Sobre Pré-Ódios é uma reunião de textos escritos entre 2008 e 2010. Alguns publicados em blogs e alguns inéditos.
O livro é composto por poemas e contos escritos, principalmente, de forma confessional que tratam, em sua maior parte, de uma parte do âmago que acabou cedendo-se a sentimentos vãos e voltando-se contra eles ou de banalidades meramente abstratas.

dia 8 de maio às 17:30 na Feira do Livro de Santa Maria.
Adquira seu exemplar e apareça para a sessão de autógrafos.

Para mais informações acesse: http://sobrepreodios.blogspot.com

12 de abr. de 2011

Da desvalorização referencial

Havia se cansado. Aventuras vãs, impulsividade, efemeridade e ausência de qualquer certeza. Os rumos de sua vida andavam se tomando sem ele consentir de todo, mas pouco fazia para impedir. Vivia de momentos que nada diziam para ele. Havia esquecido tudo que cultivara a tantos anos, que os livros lhe diziam e que dominou seus pensamentos, talvez, por toda a vida? Pensava que não. Sentia uma dor latente dentro de si mesmo.

Era mal-compreendido. Cultivava uma dor que valorizava acima de tudo. Mentia pra si mesmo dizendo que esta se chamava poesia. Não se enganava de todo. Também era. Juntamente com sua frustração e falta aparente de certezas e de previsões. Andava acomodado em suas incertezas e pouco fazia para mudar: não via motivo claro para que o fizesse.

Imaginava que encontraria em corpos ou em copos algumas soluções que nem sabia ao certo se buscava. Vivia sem direção. Estendia-se em noitadas e deixava sua vida de lado. Faltava ao trabalho e esquecia de suas aulas. Mais que cíclica, sua vida era um redemoinho. Andava em círculos que cada vez apagavam mais seus referenciais primeiros.

24 de mar. de 2011

Poema para ti

Do arcabouço teórico
retirava um conhecimento simplório.
Buscava verdades universais,
currículo e nome em anais.

De um pêndulo oscilante
analisava o movimento nauseante.
Deparava-se com questionamentos infinitos
e do seu interior silenciava os gritos.

Da vida, do trabalho e do dinheiro
matutava até encher o cinzeiro.
Chegava a respostas vazias
que pouco importavam às suas revirias.

Dos gostos, desgostos, mal-gostos
cansava de mirar seus rostos.
Questionamentos vãos inúteis
reprimiam seus desejos fúteis.

Da busca e do cansaço eterno
encontrou motivo para ser terno.
Deixou de lado os seu não
e passou a escutar o bater do coração.

Do seu lado encontrara
respostas as questões que sempre colocara.
Abandonou seu conhecimento vão,
chutou o ego e segurou sua mão.

De não mais tentar teorizar e explicar
pode o seu  lugar encontrar.
Os seus medos abandonou
e a ternura, dele, se apossou.

De querer roubar o seu coração
escreveu uma estrofe sem rimas.
Deu de ombros pois desde o primeiro verso
Só tentava anuncia a finalidade do poema:

Dedicá-lo a ti.

20 de mar. de 2011

Provisões Invernais

O sol ardia na espinha e o tecido colava junto ao corpo. Pouco importava. Permanecia estático. Não por preguiça ou algo semelhante, mas por um conforto que não queria me separar. Tu repousava ao meu lado e parecia que pra ti nada se passava. Imagens e sons eram emitidos pela tevê para ninguém. Tu assistia o espetáculo da preguiça e eu estava absorto com o meu de te ter em meus braços.
Os dias seguiam felizes. Não de uma felicidade plástica ou monótona, mas de um encontro tardio do que outrora se buscava com afinco mas que não se alcançava. As feridas eram lavadas uma a uma e cicatrizavam mais rapidamente do que o esperado. Cicatrizes estas que pareciam de memórias distantes como de infância. Talvez remetessem a esta e agora estaríamos amadurecendo. Um amadurecimento construído a dois como deve ser.
Os sentimentos se tornavam claros e o opaco de outrora, agora permitia que a luz se adentrasse. Os sorrisos se tornam bobos e os planos alegres. O que já era evidente, deixou de ser evitado, para ser consolidado.

9 de mar. de 2011

Lições para suportar o verão que parece outono.

Agora que o carnaval passou, deixe de lado os sapatos altos e desconfortáveis que parecem elegantes e calce algo macio e leve, pois agora será necessário sambar de verdade.
A aparência? Não, não. O carnaval passou, apenas vista sua máscara. As pessoas que te cercam devem estar tão atônitas que poucos notaram.
Para atravessar o verão que parece outono é preciso de uma boa dose de paciência e percepção. Percepção para reconhecer a máscara que vestem e paciência para se decepcionar com a máscara dos outros e com a sua própria.
Antitérmicos são mais do que necessários, pois sempre esquecemos que ainda é verão - por mais que vivíamos reclamando de não suportar o calor do verão - ainda desejamos isto. O cinza se adentra e temos medo de sua chegada, apesar de ela ser reveladora e fazer bem para quem está sozinho.
Para dormir no verão que parece outono, deve se deixar uma pequena fresta aberta pela janela e não usar despertador e ir despertando lentamente com o adentrar da pouca luz pelas frestas da fenestra. Obviamente não se dorm muito no verão que parece outono. Primeiramente porque o corpo não está aguentando as mudanças e a cabeça quer girar sempre que se deita, apesar de sua inércia no restante do dia. Também porque a gripe parece que veio com as serpentinas de carnaval e se prenderam nos braços, pernas e demais partes que seguem doendo. O refluxo de algo que se sentiu na primavera e que o verão consumiu, passam a voltar com tudo e o medo é que siga até agosto e não adiante mais lição para suportar.
Para suportar o verão que parece outono é necessário uma dose de vinte calmantes tomadas em uma banheira com um aquecedor ligado nas proximidades, uma corda no pescoço e uma gilete para se fazer sujeira.

Para esquecer

O maior sacrilégio estava consolidado e era seguido de noites mal dormidas e dores pelo corpo. O desânimo se espalhava pelo âmago e carregava uma certeza de que nada iria melhorar. Refletia sobre seus atos e sentimentos doados e não carregava nenhum peso na consciência, apenas decepção. Matutava sobre o amor que lhe era mediocremente entregado e sentia-se apunhalado por este ser inexistente. Não fizera promessas por temê-las, mas se mostrava disposto a sentir o que antes era impossível. Via-se espelhado na pessoa que outrora nada se parecia a cada dia que passava, entretanto viu seu maior defeito também refletido. Certa vez lhe disseram: "tu não sabe valorizar quem tem por ti apreço". E ela faria o mesmo. Não entendia qual eram os problemas que rondavam ou coisas do tipo. Sentia-se ainda pior pela desculpa esfarrapada no lugar de uma verdade doída que era a sua nova vida e que ele não poderia compartilhar. Não escrevia para esquecer, apesar de dizer isso. Escrevia para sentir mais intensamente. Imaginando que talvez o sentimento tenha isso de se for mais forte ser menos duradouro já que foi desta forma que se sucedeu a eles. Ao se entregar de todo, seu amor deixara de ser válido em troca de incertezas e novidades. Via-se no espelho.

27 de jan. de 2011

Fenestra

como o prisma que ilumina
as sete cores do arco-íris
a luz se adentra
nos teus olhos de atriz
que lânguidos me marcam
tecendo cicatriz
e o âmago dilaceram
de forma descontrolada
e as frestas se abrem
para a luz ensolarada
e as asperezas que me cabem
se consomem com o fulgor
de rimas desnecessárias
que apagam minha dor

as luzes desajeitadas
dançam pelas paredes
como se embebecidas
e costuram redes
que impedem
de defenestrar
meus pensamentos
e de me atirar
pelo penhasco do caos
de minha fenestra.

10 de jan. de 2011

naftalina para as traças

e o verso
que me abandona
na redoma
intrasponível
há de ser,
também,
aquele
que satisfaz
ao desejo
mais ávido
de perfurar
objetos
pulsantes
e cintilantes
até que
o sangue
escorra
por
infinitos furos
e que a deixe
inerte
ante
a pensamentos
inventados
e esfarelados
em meio
a páginas
de coisa nenhuma
furadas
por traças
e, dessa forma,
o coração
se encobre
com
capa dura
e naftalina.

O moderno que nasceu tardiamente

O atraso temporal não impedia que a essência transparecesse.
Era mal-compreendido desde que lembrava. Os olhos eram sempre distantes e tinha um viés diferenciado para qualquer situação banal. Na escola desenhava formas desproporcionais para expressar fatos corriqueiros e era criticado pela professora e zombado pelos colegas de classe. Passando a adolescência em companhia de pessoas mais velhas, participava com fulgor de discussões e debates que aparentavam não chegar a lugar algum com discursos de rupturas e desconstrução da ordem estabelecida. Enquanto seus companheiros de boemia tratavam de questões exteriores, sobre a arte na Europa e as influências nas terras de cá, ele bradava tentando mostrar as possibilidades de construção de algo genuinamente brasileiro. O chamavam de vanguarda de outrora e ele não compreendia a expressão. Notava olhares nostálgicos em sua direção daqueles senhores mais velhos que viviam a contar que recordavam claramente dos agitos culturais de quando ainda eram muito jovens.
Chegando à primeira fase adulta reuniu-se com artistas e pessoas do meio e sempre teve uma queda para literatura. Mantinha diários desde a infância e por isso sempre pensou que as palavras tinham uma necessidade de ser vomitadas no papel. Enquanto seus colegas ritmavam versos e procuravam rimas pomposas, ele desconstruía a tradição poética usando onomatopéias e versos nonsense. Organizava reuniões e movimentos em que versos eram lidos e injustiças denunciadas, mas alcançava pouca abrangência e sempre o diziam que isto não era para agora. Ele chorava por dentro.
Entrou na escola de arte por não saber mais o que fazer. Ia de encontro à política vigente, mas sabia que aquilo não supria sua necessidade de expressão. No primeiro ano de escola, no ano 2003, teve que cursar a cadeira de história da literatura brasileira. Conheceu as diversas escolas da literatura brasileira e as mudanças no curso da formação brasileira desta arte. Quando conheceu a corrente modernista caiu-se em si e entendeu o apelido que os mais velhos haviam o colocado. Não desistiu da arte, mas amaldiçoou a cronologia por tê-lo concebido tão tardiamente.

4 de jan. de 2011

A fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir

O ventilador girava tão lentamente que parecia demorar alguns minutos para a fumaça se perder no pouco vento produzido.Às vezes penso que o calor vai me sufocar, mas também carrego a impressão de um novelo de palavras entaladas na garganta. A respiração palpita cansada ao meu lado e me reviro entre as marcas deixadas no lençol poído. As pernas penam para se mover e colocar o cigarro que ao encontrar restos de cerveja no fundo da garrafa. Diria que o calor me impediria, mas mentiria em meio a outras desculpas igualmente esfarrapadas. Rabiscava em papel seda com a luz que entrava pelas frestas da cortina pequena demais para a janela. O disco parado se riscava e meu âmago palpitava como ecos em uma caverna sem fim.