25 de abr. de 2010

do moço de chapeu e da moça que não podia prender o cabelo

o pensamento andava distante e assim tropeçava em pedras que pareciam tão evidentes.
a lua não aparecia mais em sua janela. dias cinzas e nuvens carregadas.
esquecia a chaleira de água fervendo no fogo por várias vezes.
a cada domingo uma nova gripe pra não levantar.
regava sementes de flores que não sabia o nome.
esquecia que o outono as impedia de nascer.
inventava histórias que percebia que eram só suas.
saía de chapeu porque não gostava da barba molhada.
se enrolava no cachecol com medo do frio.
lembrava de ternuras e tricoteava juntando os pedaços.
dos dias já haviam passado mais de 60, mas ele não acabara o filme.
queria pintar de vinho a colcha branca e pintar de branco o seu coração.
sempre ouvia que deveria ser cuidadoso e não chegar muito perto com a sua taça e nem derramar todo seu carinho.
"fica bem" era sempre repetido.
leve.

22 de abr. de 2010

sobre o pacu que viveu no mar

menino que não tinha nome ganhou um livro de uma sereia, quis conhecer o mar, foi ver o circo e foi batizado com nome de peixe de água doce. menino pacu sabia duas histórias, mas quando contava uma, esquecia outra. menino pacu não era feliz, mas contava histórias. um dia seu irmão voou e fingiu de morto. todos riram pela primeira vez. seu irmão tonho tinha 20 anos. conheceu o amor. a lua cheia acabava com a trégua da faixa preta. menino pacu conhecia a ternura. a ternura que era maior que o amor. menino pacu queria conhecer o mar. menino usava chapeu e a faixa preta enquanto caminhava entre o canavial. ele lembrava da sua história, mas esquecera a da sereia. a sua história estava por acabar e então voltara a lembrar a da sereia. o trovão que não vinha do ceu estalou.

"um dia a sereia veio buscar o menino pra viver mais ela. ele gostô. ela virô o menino em peixe e levô ele pra viver debaixo do mar. no mar ninguém morria e tinha lugar pra todo mundo. no mar eles vivam tão feliz, mas tão feliz que não conseguia mais parar de dar risada."

11 de abr. de 2010

do gosto da boca doce e da dúvida

ele não cansava de seu novo encosto em formato de ombro. trocavam carícias, abraços, palavras bonitas e ela sempre dizia que ele era "doce, tão doce". gostava de estar ali. seu cabelo era sempre despenteado por todas as carícias que ela fazia. ele não queria levantar. ela repetia que ele era "doce, tão doce". com muita curiosidade ele a fitou nos olhos e perguntou:
-que doce, moça bonita?
ela não entendeu a pergunta.
-tu me prova e sente meu gosto. eu não canso da tua boca, mas me diz, que sabor tenho eu?
ela não soube responder. eram meras frases repetidas.
ele sabia que ela era um doce de amendoim daqueles que ela detestava, mas pra ele não existia melhor.

7 de abr. de 2010

trapaças, habilidades e sortes que não fariam diferença

"Provavelmente o amor é um jogo; nos jogos é preciso respeitar as regras. Em todo o caso, é alguma coisa muito delicada: não o manuseie, como eu o tenho manuseado, porque o estraagará irremediavelmente."
Adolfo Bioy Casares

Pensava que sua trinca de damas seriam suficientes. Percebia o blefe com pequenos sinais: o olho esquerdo tremia vagarosamente enquanto a mão oposta suava. O amor não poderia ser poker, já que os blefes nunca são percebidos. As cartas na manga, no amor, eram inúteis.

Fazia apostas nos pares, impares, vermelhos e negros. A roleta girava e o 0 dava o prêmio pra banca. O amor não seria a roleta, já que nesta quanto mais números apostamos, maiores as chances de êxito, mas com prêmios menores. No amor só se podem colocar todas as fichas em apenas um número esperando a sorte grande. Ao tentar apostar metade das fichas ou em vários números a banca sempre vence.

A primeira carta era um três, depois veio um nove. Doze. Seguiu apostando. Seguido por um sete. Dezenove não seria uma pontuação ruim, mas poderia esperar o dois. Exitou. Blackjack não é o jogo do amor. No amor apostamos tudo sempre, independente de estar quase no vinteeum.

Tinha uma vantagem de três bolas. Uma nova tacada e a bola oito, à beira da caçapa, cairia. Com cálculos de distâncias, força, velocidade do vento, um passar de giz na ponta do taco; foi dada a tacada final e a bola oito seguia imóvel. O desfecho do jogo nunca se soube. O bilhar jamais se assemelharia ao amor. Anos de treinamento na arte de amar e o jovem senhor me disse em certa feita que não sabia nada sobre essa arte. Nunca conheci um amante habilidoso, diferentemente dos jogadores de bilhar.

Depois de tirar dezessete vezes o mesmo número, desistiu de girar os dados. Nunca souberam me dizer se o dado era viciado ou se aquele era seu dia de sorte. O amor não é um jogo de dados. Nunca conheci amor viciado e nunca pude contar com a sorte no tal jogo que chamam de amor.

Nos últimos dezessete anos apostou em apenas dois cavalos, dois pampas muito semelhantes. Depois de catorze anos de corridas a sua primeira opção de apostas morre e ele não hesita em seguir no seu herdeiro. A mulher pede que deixe os cavalos de lado. Perdeu a formatura de seu filho porque as chances do seu pampa ganharem eram grandes. Nunca ganhou um tostão, mas contava as horas pela próxima largada. Considerando lucros e dividendos o amor não existe. Na hora da escolha, o olho nunca se engana, não analisa o passado, não pensa na resistência e no porte físico, mas aposta todas as forças no cavalo de sempre. Nunca ouvi caso de enriquecimento em corridas de cavalos. Nunca ouvi história de existir um ex-apostador de corridas de cavalos. Penso que o coração se assemelha ao jockey club. As apostas são incondicionais e irracionais. Não existem ex-amantes. Pode passar a pessoa amada, mas depositamos toda a confiança no próximonovoamor. Anos de desilusões e o coração palpita novamente quando surge um novo "cavalo" na pista cinco.