6 de nov. de 2012

São tempos difíceis para os sonhadores

Minha mira sermpre falha na tentativa de atirar o cigarro pelo vão de janela aberta e tenho que limpar as cinzas espalhadas pelo chão no rebote da veneziana. Treinei com esmero a habilidade de contorcer os dedos e, em um peteleco golpeando o nada, fazer a pequena bituca percorrer longas distâncias, mas o senso de espaço é falho e o objetivo nunca é plenamente alcançado. Herança de minha mãe, sempre detestei cinzeiros. Cinzas não se guardam sem que o ambiente fique impregnado. Por outro lado, tenho uma pequena mania de guardar muitos objeto inúteis com esperança de um fim futuro que, obviamente, nunca chega. Minha desorganização é demais para tal atitude e mesmo chegado o dado momento, já não o encontro mais. Deletei minha conta do Facebook, o portaporcarias-mor. Centenas de amigos que carrego descaso, mensagens de tempos pré-históricos, fotinhos e citações para ser cult. Diligência do tempo buscada por negligência de aspectos outros. Alguns dias depois, passei a receber e-mails de pessoas queridas perguntando acerca e primando que o contato fosse mantido. Sempre gostei do campo de e-mail: um branco mudo convite como a pena de Ana C. A falta de obrigação em uma resposta imediata, a fuga de requintes e etiquetas do tipo tudo bem? e a possibilidade de falar de coisas que importam realmente. Gosto de banalidades, mas me canso.
Dias sem lirismo tem me percorrido. Talvez de algum fingido, mas quando esse não o é? Palavras bobas não saem da boca ou preenchem as linhas mais com tanta facilidade. Tenho poucas esperanças, mas ainda as tenho, caso contrário nem tocava no assunto. Seja por falta de vinho ou por andar ocupado demais para perder-me em tonturinhas do tipo sentir. Li em uma dada rede social de 140 caracteres algo que dizia O mundo acabando e eu aqui pensando em coisas bobas do tipo que te amo e tal ou algo que o valha. Herdei de meu pai um pragmatismo em busca de perspectivas antes de buscar as coisas que viriam com essas. Grande bobagem. Tenho de inventá-las para que existam. São tempos difíceis para os sonhadores.

7 de jun. de 2012

Medo da perda

Sente-se do lado do inimigo, aperte os cintos e aproveite a viagem. A poltrona deve ficar levemente inclinada: se deitar totalmente, a guarda cai e o sono vem, se permanecer na posição original, a tensão transparecerá. Medo da perda. Ações e reações com finalidades pré-concebidas por temer a perda. Pouco importa o que se sente. O ter toma a dianteira de qualquer outra manifestação do sentir. Falar em sentimento cansa e é bobo. Carinhos trocados sem significados, um show de gritos e sussurros para uma plateia invisível enquanto o pensamento alça um voo inesperado que jamais chegará ao seu destino. Palidez diante da ausência, ânsia por controle e detalhes de pouca importância. Teoria maniqueístas sobre conspirações em regimes que jamais existiriam. Rima pobre e metáfora sem significado. Falta de poesia e frigidez dos corpos quentes. Movimentos robóticos de um eletropunk decadente tocada por uma banda que sonha em ser star sem técnica alguma. Boquete estético em um monstro gigantesco e sem falo. Psicanálise do consciente e inconscência fingida. Descaso com a métrica de uma prosa de areia. Quando se imita gestos de momentos longíquos é cinismo chamar de deja vú ou fingir esquecimento. A lógica é estúpida, mas a insistência é mantida por auto-flagelo. Carvões acesos e uma parafernalha de coisas a fazer ignoradas.

20 de mar. de 2012

Da chuva limítrofe entre meus sonhos e os dias que não durmo

Foi quando deixei de dormir. Sempre quis um desses blusões rústicos de lã que vem da Finlândia. Devem ser feitos de lã de ovelha recém tosada. No Perú fazem de lhama. Tenho a impressão que esse ventilador de teto velho ira cair sobre minha cabeça e não sei se viverei. O chá de camomila esfria na xícara. Tentativa inútil de trazer o sono de volta. Tantas contas pra pagar, o dia pra viver e eu sigo sem dormir. Meus olhos fecham de cansaço, de um sono ausente. Sinto aflição esperando uma resposta tua. Ela virá? Foi quando decidi não premeditar. Mentira. Sigo fazendo. O esquema articulado se desenvolve sem motivo evidente. Uma paixão propositada de antemão. Minhas leituras me vislumbram, mas não tenho forças para continuá-las. O estômago ronca, mas não vou ceder. Minha crise de ontem não foi proposital. Mero fruto do acaso. Ainda sinto agora as estranhas retorcerem diante da espera de um fantasma invisível que já tomou posse de boa parte de meu ser. Advertia-o para que viesse lentamente, entretanto tinha poucas forças. Já não dormia mais. A fumaça pouca dissipada pelo vento incipiente produzido por essa hélices enferrujadas que giram ao contrário. A solidão não atrasa o relógio, todavia o tempo se vai de forma vazia. Vazio de utilidades procrastinadas. É a terceira vez que toca a mesma canção, mas o vento pouco me diz vindo lentamente. Espero a chuva que seja demais em meus sonhos. Não busco mais a lua. Pouco uivo para o vazio de minha imaginação. Meu peito ronca. Tenho que voltar para os filtros brancos. Oxalá dar um tempo. Não, tempo não se dá, custe o que custar. Sinto o cheiro de café que invade a casa. Solução fugidia para meu estado de putrefação acordada. Os dias seguiriam da forma costumeira se não tentasse os controlar. A última gota já amarga do chá esquecido me traz a impressão que dias doces virão. Virão?

19 de mar. de 2012

compus uma crônica invísivel.
vislumbrava que ela fosse composta em versos.
posicionei a cadeira no limite da imagem
a imagem que esperava que tu despontasse
do meu horizonte
paisagem inglória.
 
segui recostado em minha cadeira
em um prazer minimalista.
de meu anseio
aflição apenas
e o receio de que
não chegarias mais
em meu colo
e em meu amâgo
surgia o exaspero
de te ter.
 
sôfrego
seguia cambaleante
que o acaso te traria
mascarado de amanhã.
e esparançoso
seguia apenas a esperar
o teu doce sabor
me encontrar.

29 de jan. de 2012

Os porquês de ter uma menina ruiva

Se eu tivesse uma menina ruiva, minhas manhãs não começariam tão tarde, pois não perderia de vislumbrar um amanhecer de verão com a luz do sol que cresce refletindo no seu corpo. Me acordaria vagarosamente, observaria se o lençol ainda recobre seu corpo. Lentamente o colocaria de lado para que a beleza de suas curvas transparecesse no dia que principia. Por isso o amanhecer deve ser de verão. Passo por passo, me aproximaria do cordão que suspende a persiana e abriria folha por folha para que o ruído não a despertasse. O céu ainda estaria negro, mas, na divisão do horizonte com o mundo dos homens, luzes alaranjadas explodem e chamamos de aurora. Aguardaria pacienciosamente que toca a luz solar cobrisse o céu. Após o seu corpo ser coberto pelos primeiros raios de calor, faria um ruído bem de leve, um assobio, um acorde de bossa nova no violão como aquele que principia Wave de Tom Jobim; para ver-te espreguiçando com o novo dia que renasce. Ela faria uma careta e logo abriria o sorriso bonito que as meninas ruivas guardam no fundo dos olhos. Eu sorriria sem mexer os lábios, mas, sim, sorriria.

Se eu tivesse uma menina ruiva, sairia com ela para comprar dessas pequenas caixinhas de madeiras e tinta para colorir. Faríamos desenhos festivos de natal e páscoa e distribuíriamos para os parentes que menos gostamos. Também poderia comprar muitas telas, tintas, pinceis para usar como desculpa para jogar tinta um no outro e sujar toda a casa.


Teria um bom fígado, se eu tivesse uma menina ruiva. Não precisaria acabá-lo com um gim, uísque com duas pedras de gelo, cuba libre, mojitos ou o que os valham. Estar nos seus braços me embebeceria e seria a fuga que busco em copos infinitos. Sim, beberia, mas ao dividir as taças com a sua boca, traria um sabor diferenciado ao paladar deixado pelo seu hálito doce nas bordas.

Leria os romances clássicos, se tivesse uma menina ruiva. Não me chatearia com o descritivismo exagerado, com a prolixidade, com os diálogos formais ou com a distância com a realidade. Conseguiria nos imaginar em cada cena altamente descrita nas páginas amareladas e seria cativado pela trama.

Ah,onde andará a menina ruiva?