14 de dez. de 2013
Say hi, little stranger
Marcello dava festas para cobrir seu silêncio. Dia posterior, gritava para as paredes que o apoiaram em sua lisérgica e alcoólica noite anterior. Era injusto. Consigo mesmo, além das paredes. Mais um banho de chuva. Sair de casa entala um choro na garganta. Ele não entende muito o por quê. Finge que não tem esperanças. Será fingimento? Aperta F5 desesperadamente imaginando que o vulto da noite anterior realmente exista. Será fingimento?
17 de out. de 2013
Parte primeira
Seu dia começava nublado
pela visão de sua janela e dentro de si mesmo. Não tinha vontade de
levantar, mas já não trabalhava há dois dias. Não sabia se era
incompleto por não saber como completar-se ou por falta de ânimo.
Embarcou no ônibus para o trabalho meia hora depois que deveria
estar chegando.
Durante o caminho para o
trabalho tentava ler alguma coisa. Repetia as mesmas linhas sem se
dar conta, mas tinha vergonha de guardar o livro de volta na sua
bolsa logo depois de tê-lo aberto. Sempre tivera essa sensação que
era observado por todos ao seu redor. Quando criança imaginava
câmeras escondidas por sua casa. Sempre ao tropeçar na rua olhava
para os lados tentando notar quantas pessoas haviam reparado. Decidiu
que iria embora naquele dia. Não sabia como, mas iria. Sempre tivera
boas ideias ao andar de ônibus. O sono havia passado, mas seguia sem
vontade de trabalhar. Lembrara de um dia que foi trabalhar sem ter
dormido. Recebera uma visita naquela madrugada e a fez prometer que
não o deixaria dormir. Viravam-se na cama, olhavam para o teto
juntos: rindo sem o menor motivo. Passou um bule de café ao
depararam-se com as primeiras luzes adentrando as frestas da janela.
Foi a última vez que a viu. Não se despediram.
Tinha vergonha de entrar
no trabalho tão atrasado, mas fingiu que não tinha se passado. O
chefe fingiu que ele não estava ali e ele baixou a cabeça para
tentar colocar seu trabalho em dia. Sua cadeira rotatória parecia
dar voltas em seu próprio eixo e, cada vez mais, sentia-se tonto.
Todos os dias ele se recriminava pela sua mania de procrastinar, mas
não conseguia fazer nada a respeito. Faltavam-lhe forças, mais do
que isso, faltava ânimo.
Era uma quinta-feira.
Decidiu que viajaria no dia seguinte em direção a Porto Alegre. Foi
ao banco após o trabalho e notou que tinha menos dinheiro do que
imaginava. Ele sempre tentava mentir pra si mesmo quanto aos seus
gastos. Ao se deparar com a realidade do extrato bancário, via seu
novelo cada vez mais emaranhado. Foi à rodoviária comprar sua
passagem mesmo sem saber se teria dinheiro para voltar para casa.
Animou-se instantaneamente como se tivesse aplicado a si mesmo uma
dose de adrenalina. Não soube o porquê. Talvez a viagem lhe traria
um pouco de esperança.
Acordou cedo no dia da
viagem, amassou algumas roupas dentro da sua bolsa, alguns livros e
um caderno de anotações. Ao fechar a porta, teve impressão que seu
apartamento não seria o mesmo ao voltar para casa.
Chegou cedo para
trabalhar. Seu dia pesadamente de forma apressada. Saiu tardiamente
da labuta, mas seu ônibus ainda demoraria duas horas para sair.
Lembrou que não havia avisado para ninguém que viajaria e nem sabia
onde ficar em Porto Alegre. Pensou em ligar para alguns amigos, mas
desistiu. Queria ficar só naquele dia. Bebeu uma cerveja enquanto
esperava na rodoviária e fumou mais cigarros do que deveria.
Ao entrar no ônibus,
carregava um peso que parecia colocar em xeque a vida que levava. Só
tinha uma certeza: pelo menos ainda há um movimento possível.
Fechei os olhos logo após
ter sentado na poltrona e só voltei a abri-los na entrada da
rodoviária que passei todos os finais de semana por muitos anos
atrás. Ela carregava a melancolia e o saudosismo do tempo que havia
morado naquela cidade.
Já passava da
meia-noite, mas não quis tomar um táxi. Desci até o metrô e tomei
o último trem até o mercado público. As ruas sujas e o cheiro de
peixe me alegravam estranhamente. Vaguei pelo centro até a Lima e
Silva.
Sentei em algum bar da
Rua da República e pedi uma cerveja. Quando voltei a mim, o garçom
tocava meu ombro dizendo que o bar fecharia logo e se eu queria mais
uma cerveja. Recusei. Vaguei de bar em bar até amanhecer. Não sei
dizer por quais lugares passei e as pessoas que lá estavam. Algumas
falaram comigo e como quem coloca um aviso na porta para que não
incomodassem, apenas me desculpava e buscava o fundo do copo e logo
da garrafa. A noite passou em um piscar de olhos e sol apareceu antes
que eu esperava. Carregava um cansaço nas costas, mas não sentia
sono.
Voltei para o centro da
cidade e caminhei sem direção anteriormente especificada. Passava
por lojas carregadas de poeiras e memórias que me despertaram uma
curiosidade inexplicável. Sentia adentrar em mim, sem permissão
prévia, aqueles significados dos objetos usados que eram vendidos
naqueles antiquários. Não saberia dizer quanto tempo contemplei as
vitrines que ali estavam. Anos se passaram para mim e eu seguia
estático a cada nova vitrine. No centro de um armário de vidro
espelhado notei de longe um relógio de bolso. Estava sem tampa, mas
parecia que havia um holofote voltado para ele. Não sei o que mais
era vendido naquela loja, talvez só existisse o relógio. Tanto faz.
Para mim só existia ele.
Um senhor antipático
perguntou o que eu desejava. Bati os ombros e parei em frente ao
armário. Ele me falou que o relógio custava vinte reais. Tirei todo
o dinheiro que tinha nos bolsos e ainda faltavam três reais. Ele
disse para eu voltar depois. Abri minha bolsa e tirei uma caneta que
havia ganhado há muito tempo. Não conseguia recordar a situação e
não me esforçava para tal. Ele aceitou e me cobrou mais dez reais
pelo relógio. Coloquei-o no bolso do paletó e me dirigi à porta da
loja com certo receio. Como quem vai embarcar em um avião e tem medo
de ser parado no detector de metais. Senti que carregava um fardo no
bolso, mas um fardo que brilhava e refletia toda a esperança que
havia conquistado ao embarcar na jornada.
Vejo um rosto familiar
atrás da vidraça. Um rosto que não via há muito tempo e que
talvez fosse o que mais desejava encontrar no momento. Tentei correr
em direção à porta, mas as pernas pareciam pesar milhares de
toneladas. Fui carregado pelo vento e abri a porta em um impulso.
Olá.
26 de set. de 2013
eu
estou bem, dizia-lhe, estou bem. e ele queria saber se estar bem era
andar de trombas. eu respondi que o tempo não era linear.
preparem-se sofredores do mundo, o tempo não é linear. o tempo
vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas distintas e que se vão
sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e qualquer outro
indivíduo, novamente num certo ponto de partida. é fácil de
entender. quando queremos que o tempo nos faça fugir de alguma
coisa, de um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes
até as horas, e depois chegam as semanas triunfais e os largos meses
e depois os didáticos anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o
tempo também de outro modo. perdemos alguém, e temos de superar o
primeiro inverno a sós, e a primeira primavera e depois o primeiro
verão, e o primeiro outono. e dentro disso, é preciso que superemos
os nossos aniversário, tudo quanto dá direito a parabéns a você,
as datas da relação, o natal, a mudança dos anos, até a época
dos morangos, o magusto, as chuvas de molha-tolos, o primeiro passo
de um neto, o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um
avião, as notícias sobre o brasil, enfim, tudo. e também é
preciso superar a primeira saída de carro a sós. o primeiro
telefonema que não pode ser feito para aquela pessoa. a primeira
viagem que fazemos sem a sua companhia. os lençóis que mudamos pela
primeira vez. as janelas que abrimos. a sopa que preparamos para
comermos sem mais ninguém. o telejornal que já não comentamos. um
livro que se lê em absoluto silêncio. o tempo guarda cápsulas
indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos
a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer
pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente
porque nessa cápsula se injeta também a nitidez do quanto amávamos
quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas
ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o
nosso nome, ou mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso
incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no
mundo.
valter
hugo mãe, A máquina de fazer espanhóis
Foi a
primeira vez que sublinhei um livro de literatura
despretensiosamente. Sempre fui pragmático nas sublinhadas. Como
esteves, o sem metafísica: era eu, o pragmático. Também sem
metafísica. O ato de percorrer as linhas com o lápis em punhos em
uma régua como guia sempre teve uma finalidade pré-determinada.
Queria impressionar quem pegasse meu livro posteriormente, queria
citar o trecho academicamente. Nunca soube sublinhar sem réguas.
Mania de um perfeccionismo apenas nesse aspecto. Não gosto de cores,
uso o lápis. A lapiseira, já que carregar um apontador traz muita
sujeira e a necessidade de apontar. Também não gosto das pontas de
lápis. Ou ficam grossas demasiadamente ou finas e quebradiças.
Seguro uma lágrima após a leitura. A mão treme na segunda leitura
enquanto o trecho é sublinhado. Não ando com cabeça para tal
leitura. Um dia terei?
24 de set. de 2013
Mil-folhas
mexerica,
bergamota.
aipim,
mandioca.
folha quebra,
eu repuno.
uma aspereza,
copo d'água.
o luso dizia:
pastel de belém
não há
pelas bandas de cá.
no prato
ou na mão?
quebro
com a colher.
a mulher?
uma rapariga.
ora, poeta
de uma figa.
repito
o que eu fito
enquanto grito:
uma massa folhada!
bergamota.
aipim,
mandioca.
folha quebra,
eu repuno.
uma aspereza,
copo d'água.
o luso dizia:
pastel de belém
não há
pelas bandas de cá.
no prato
ou na mão?
quebro
com a colher.
a mulher?
uma rapariga.
ora, poeta
de uma figa.
repito
o que eu fito
enquanto grito:
uma massa folhada!
3 de abr. de 2013
Que não demora pra essa dor sangrar
Da estupidez, a culpa. Do descuido, o receio. Me perseguem. Assim como a insônia me persegue, as neosaldinas, as gastrites provocadas pelo exagero na cafeína, o sedentarismo, a alimentação péssima, os cigarros sem vontade, as enxaquecas pelos óculos fracos, as leituras demasiadas e o tédio. Todos me perseguem. Uma falta que não sei porquê insiste em bater. A solidão continua a me perseguir. Sigo com poucos amigos, penso que os que tenho são suficientes, apesar de distante. Minto, mas que são os melhores, não posso negar. O caminho do bar me persegue, apesar de ser um caminho. Caminho com pegadas de ser trilhado incansavelmente.
Tem sido difícil, mas não é um lamento. Uma dificuldade boa igual aquela que meu pai disse que bom quando disse que as novas aulas estavam complicadas. Esse espaço chamo de meu, tenho horários bizarros e ninguém reclama dos barulhos em plena madrugada, a tediosa faxina parece me enobrecer. Maresia de um mar invisível.
Estúpido como um prego sendo pregado por um velhote que sofre de Parkinson, sim, senhor. Depois de mil marteladas, o prego ainda permanece sem capacidade alguma de pendurar coisa alguma. Enfim, sinto culpa pela infantilidade e imaturidade. Blablablás moralistas que parece que perseguirão eternamente. Falo com um orgulho fingido e sinto falta sem motivos. Um fim procrastinado com desrespeitos mútuos, falta de privacidade e orgulho; de escândalos quando já não havia mais o que ser feito. Peço desculpas pelo novo fatídico e escrevo pra esquecer sem estar embasbacado. Um pouco arrependido e saudoso, embora convencido.
Tem sido difícil, mas não é um lamento. Uma dificuldade boa igual aquela que meu pai disse que bom quando disse que as novas aulas estavam complicadas. Esse espaço chamo de meu, tenho horários bizarros e ninguém reclama dos barulhos em plena madrugada, a tediosa faxina parece me enobrecer. Maresia de um mar invisível.
Estúpido como um prego sendo pregado por um velhote que sofre de Parkinson, sim, senhor. Depois de mil marteladas, o prego ainda permanece sem capacidade alguma de pendurar coisa alguma. Enfim, sinto culpa pela infantilidade e imaturidade. Blablablás moralistas que parece que perseguirão eternamente. Falo com um orgulho fingido e sinto falta sem motivos. Um fim procrastinado com desrespeitos mútuos, falta de privacidade e orgulho; de escândalos quando já não havia mais o que ser feito. Peço desculpas pelo novo fatídico e escrevo pra esquecer sem estar embasbacado. Um pouco arrependido e saudoso, embora convencido.
21 de jan. de 2013
Eu só procuro um amor bobinho,
com sabor de fruta mordida.
Daqueles com convite para a peteca
ou dedicados a uma menina com uma flor.
Um amor viniciano.
Que promete um amor eterno com exceções
e aguentam a voz desafinada.
Daqueles que não poetizam só na ausência,
mas sabem ver dela a matéria da saudade.
Um amor imparcial, mas complacente.
Um amor dedicado e auto-suficiente.
De risos fáceis e colos dispostos.
Do coito delicado e também estridente.
Um amor sem votos, mas de esperanças.
De frustrações e mil perdões.
O amor que é dado bem baixinho
e gritado aos quatro ventos.
Um amor machucado, mas seguro.
Um amor do pretérito
e conjugado no presente.
Um amor experiente, mas neófito.
Um amor de solidão
e conforto mútuo.
De dedicação exclusiva consigo mesmo.
Um amor ímpar entre um par
e um amor que saiba ver-se só.
com sabor de fruta mordida.
Daqueles com convite para a peteca
ou dedicados a uma menina com uma flor.
Um amor viniciano.
Que promete um amor eterno com exceções
e aguentam a voz desafinada.
Daqueles que não poetizam só na ausência,
mas sabem ver dela a matéria da saudade.
Um amor imparcial, mas complacente.
Um amor dedicado e auto-suficiente.
De risos fáceis e colos dispostos.
Do coito delicado e também estridente.
Um amor sem votos, mas de esperanças.
De frustrações e mil perdões.
O amor que é dado bem baixinho
e gritado aos quatro ventos.
Um amor machucado, mas seguro.
Um amor do pretérito
e conjugado no presente.
Um amor experiente, mas neófito.
Um amor de solidão
e conforto mútuo.
De dedicação exclusiva consigo mesmo.
Um amor ímpar entre um par
e um amor que saiba ver-se só.
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