5 de out. de 2011

Da voz que foges

Ao girar a chave na fechadura, ele deparou-se com um movimento furtivo como de gatunos que sorrateiramente desaparecem nas sombras para não serem visto, como gatos que fogem repentinamente das migalhas de pão que saboreiam pelas janelas em que se adentraram no lar ou como crianças felinas que se escondem ao saberem-se culpadas. Hesitou para invadir sua sala, que não parecia sua depois da impressão fugaz. Como ilusão de segurança deixou um rastro de luzes acesas às suas costas, enquanto fiscalizava o estado das coisas deixado para trás no principiar do dia de suas obrigações cotidianas.
Ronda completa, nada se encontrava fora da ordem esperada, entretanto a sensação fantasmagórica ainda não era ausente. Dia pesado, noite solitária. Eis que é possível notar a presença do ser que passou ausente em sua vigília.
- Boa noite. Soa a voz desconhecida. De forma inesperada, a voz é reconhecida e o pavor não lhe salta às entranhas, contraditoriamente.
- Quem é?
- Foges de mim e eis no dia em que me tens, não me vislumbras?
- Tua voz não me é estranha, entretanto me parece uma companheira de longa data que se faz ausente em um tempo que não sei contar.
- Apenas primeiros encontros requerem apresentações.
- Pois bem, o que faz aqui?
- Não fugiste, logo, eu, tenho cá meu lugar.
- Não me venha com estribeiras e diz-me logo.
- Não sou de falar.
- Eu, tampouco.
- Em minha presença, pouco falarás. O nosso protagonista deu-se entediado. Notara o vazio de sua noite e a falta de apreensões. Lentamente identificava a voz rouca e feminina que há muito não ouvia.
- Uma dose?
- Esta só fará que me ouças mais. Ele olha para a porta, imaginando uma fuga da voz interna exteriorizada.
- Por que me temes?
- Não temo.
- Escondes-me.
- Não te conheço.
- Não te recordas.
Uma movimentação lenta e não corriqueira para ele, que poucas noites habitava sua casa neste horário. Menos ainda a habitava desacompanhado. Movimentação que traz a tona vozes de alto-faltantes televisivos, cores em technicolor e a voz da solidão torna-se muda.

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