10 de jan. de 2011

O moderno que nasceu tardiamente

O atraso temporal não impedia que a essência transparecesse.
Era mal-compreendido desde que lembrava. Os olhos eram sempre distantes e tinha um viés diferenciado para qualquer situação banal. Na escola desenhava formas desproporcionais para expressar fatos corriqueiros e era criticado pela professora e zombado pelos colegas de classe. Passando a adolescência em companhia de pessoas mais velhas, participava com fulgor de discussões e debates que aparentavam não chegar a lugar algum com discursos de rupturas e desconstrução da ordem estabelecida. Enquanto seus companheiros de boemia tratavam de questões exteriores, sobre a arte na Europa e as influências nas terras de cá, ele bradava tentando mostrar as possibilidades de construção de algo genuinamente brasileiro. O chamavam de vanguarda de outrora e ele não compreendia a expressão. Notava olhares nostálgicos em sua direção daqueles senhores mais velhos que viviam a contar que recordavam claramente dos agitos culturais de quando ainda eram muito jovens.
Chegando à primeira fase adulta reuniu-se com artistas e pessoas do meio e sempre teve uma queda para literatura. Mantinha diários desde a infância e por isso sempre pensou que as palavras tinham uma necessidade de ser vomitadas no papel. Enquanto seus colegas ritmavam versos e procuravam rimas pomposas, ele desconstruía a tradição poética usando onomatopéias e versos nonsense. Organizava reuniões e movimentos em que versos eram lidos e injustiças denunciadas, mas alcançava pouca abrangência e sempre o diziam que isto não era para agora. Ele chorava por dentro.
Entrou na escola de arte por não saber mais o que fazer. Ia de encontro à política vigente, mas sabia que aquilo não supria sua necessidade de expressão. No primeiro ano de escola, no ano 2003, teve que cursar a cadeira de história da literatura brasileira. Conheceu as diversas escolas da literatura brasileira e as mudanças no curso da formação brasileira desta arte. Quando conheceu a corrente modernista caiu-se em si e entendeu o apelido que os mais velhos haviam o colocado. Não desistiu da arte, mas amaldiçoou a cronologia por tê-lo concebido tão tardiamente.

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